Dia 14: Um livro que me lembra de alguém
Empaquei neste dia.
Novamente, porque há muitos livros que me lembram muitas pessoas e blábláblá. Mas principalmente porque a lembrança mais forte de todas não é boa. É meio traumática, aliás. Me deixou para sempre com medo de falar de livros e as pessoas me acharem pedante e me darem um coice com ferradura de aço.
É sabido que A Metamorfose, de Franz Kafka, é um dos livros mais famosos, mais lidos, mais comentados, mais analisados, mais estudados de todos os tempos. Pode-se dizer que é um livro que todo mundo leu. Óbvio que a afirmação "todo mundo leu" não quer dizer que 100% da humanidade leu, até porque boa parte da humanidade ainda não sabe ler. Mas é um livro que boa parte das pessoas que gosta de ler, que se interessa por literatura, já leu.
Então, o caso foi assim: estava eu numa livraria com o maior dos meus enganos. O maior dos meus enganos se pretendia um homem culto e sofisticado. Mas nunca leu muito, o que por si só não é um defeito ou falha de caráter. É só uma constatação.
Pois o maior dos meus enganos, na livraria, pega o volume d'A Metamorfose e me diz, todo entendido:
-Sabia que, na verdade, a barata de Kafka não era uma barata e sim um besouro?
E eu, na inocência:
-Ué, que engraçado, na tradução que li não falava especificamente nem em barata nem em besouro, só num inseto.
E ele, espantadíssimo:
-Você leu A Metamorfose????
E eu, ainda inocente e agora também espantada:
-Claro, ué. Todo mundo leu. Você não???
(lembrando: "todo mundo" quer dizer apenas muita gente, quer dizer quase todo mundo que gosta e se interessa por literatura)
Pois o maior dos meus enganos ficou furioso, disse que não tinha lido o livro e que eu era uma pedante, uma esnobe, uma elitista, que não via além do meu umbigo, que achava que a humanidade se resumia a mim mesma, etc. Enfim, me esculachou e arrasou ali na livraria. Um padrão que se repetiria várias vezes.
Então até hoje, ver, ler ou ouvir falar qualquer coisa d'A Metamorfose me faz lembrar daquele ser que tentou fazer com que eu me sentisse tão repugnante quanto a criatura em que Gregório Samsa se transformou.
"Durante o dia evitava mostrar-se à janela, por consideração para com os pais, mas os poucos metros quadrados de chão de que dispunha não davam para grandes passeios, nem lhe seria possível passar toda a noite imóvel; por outro lado, perdia rapidamente todo e qualquer gosto pela comida. Para se distrair, adquirira o hábito de se arrastar ao longo das paredes e do tecto. Gostava particularmente de manter-se suspenso do tecto, coisa muito melhor do que estar no chão: a respiração tornava-se-lhe mais livre, o corpo oscilava e coleava suavemente e, quase beatificamente absorvido por tal suspensão, chegava a deixar-se cair ao chão. Possuindo melhor coordenação dos movimentos do corpo, nem uma queda daquela altura tinha conseqüências."
4 Comments:
Nossa, que cena, menina! Adorei tua descrição do maior dos enganos. Mesmo.
Hahaha, Meg, que história ótima. Eu li este livro (claro, todo mundo leu!), mas sabe que não achei grandes coisas? Excesso de expectativa, talvez.
Beijos.
uau!
então podem me xingar q eu li a metamorfose com 11 anos. e quer saber? percebi logo que era pra ser comédia.
Eu tentei ler mas não acabei, achei sem graça!
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