Dia 01: Livro preferido de todos os tempos
Resposta complicada porque posso citar uma meia dúzia de títulos como meus preferidos de todos os tempos. Mas, destes, utilizando o critério "livro mais relido", destaco o Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. A cada dois ou três anos, mais ou menos, eu releio. E continuo a me encantar e continuo a descobrir coisas que não tinha percebido antes: uma expressão incomum, um neologismo que passou batido pela minha atenção, uma analogia divertida.
Certa feita, quando o relia, fui fazendo uma lista com todos os nomes e eufemismos dados ao coisa-ruim, ao caramunhão. Outra feita, listei os incríveis nomes e apelidos dos jagunços. (onde deixei essas listas, hein?).
Há quem diga que o amor e a morte são os principais temas do Grande Sertão Veredas. Eu discordo. Na minha leitura, a dúvida e a culpa que consumiram Riobaldo (ele fez ou não um pacto com o sujo? a morte de Diadorim foi um pagamento?) ao longo da vida são o principal fio condutor da narrativa. A história contada ao leitor é uma forma de exorcismo, uma tentativa de erradicação, de catarse, desses sentimentos que, até a velhice, oprimem o narrador.
"Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor; assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela —já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece deter sua aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver; então era eu mesmo, este vosso servidor Fosse lhe contar.. Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é ditado. “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento. Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho..."
Há dois trechos que me deixam até hoje emocionada: o primeiro, que me faz sofrer sempre, é a chacina dos cavalos, presos no curral, pelo bando dos hermógenes. A cena é de uma crueldade terrível. O segundo trecho se refere aos dias seguintes ao suposto pacto, quando Riobaldo, já proclamado Urutu-Branco, decide matar o primeiro que lhe aparecer na frente e lhe aparece na frente um pobre coitado dum caipira. Rodeado pelo bando, Urutu-Branco sofre o dilema de, ou matar o desgraçado, ou perder o respeito e a liderança do grupo, por não manter a palavra. O meu impulso, sempre que leio essa parte, é implorar sussurrando: "Mata não, Riobaldo!"
“Arre e era. Aí lá cheio o curralão, com a boa animalada nossa, os pobres dos cavalos ali presos,tão sadios todos, que não tinham culpa de nada; e eles, cães aqueles, sem temor de Deus nem justiça de coração, se viravam para judiar e estragar, o rasgável da alma da gente – no vivo dos cavalos, a torto e direito, fazendo fogo! Ânsias, ver aquilo. Alt’ -e-baixos – entendendo, sem saber, que era o destapar do demônio – os cavalos desesperaram em roda, sacolejados esgalopeando, uns saltavam erguidos em chaça, as mãos cascantes, se deitando uns nos outros, retombados no enrolar dum rolo, que reboldeou, batendo com uma porção de cabeças no ar, os pescoços, e as crinas sacudidas esticadas, espinhosas: eles eram só umas curvas retorcidas!”
Certa feita, quando o relia, fui fazendo uma lista com todos os nomes e eufemismos dados ao coisa-ruim, ao caramunhão. Outra feita, listei os incríveis nomes e apelidos dos jagunços. (onde deixei essas listas, hein?).
Há quem diga que o amor e a morte são os principais temas do Grande Sertão Veredas. Eu discordo. Na minha leitura, a dúvida e a culpa que consumiram Riobaldo (ele fez ou não um pacto com o sujo? a morte de Diadorim foi um pagamento?) ao longo da vida são o principal fio condutor da narrativa. A história contada ao leitor é uma forma de exorcismo, uma tentativa de erradicação, de catarse, desses sentimentos que, até a velhice, oprimem o narrador.
"Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor; assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela —já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece deter sua aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver; então era eu mesmo, este vosso servidor Fosse lhe contar.. Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é ditado. “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento. Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho..."
Há dois trechos que me deixam até hoje emocionada: o primeiro, que me faz sofrer sempre, é a chacina dos cavalos, presos no curral, pelo bando dos hermógenes. A cena é de uma crueldade terrível. O segundo trecho se refere aos dias seguintes ao suposto pacto, quando Riobaldo, já proclamado Urutu-Branco, decide matar o primeiro que lhe aparecer na frente e lhe aparece na frente um pobre coitado dum caipira. Rodeado pelo bando, Urutu-Branco sofre o dilema de, ou matar o desgraçado, ou perder o respeito e a liderança do grupo, por não manter a palavra. O meu impulso, sempre que leio essa parte, é implorar sussurrando: "Mata não, Riobaldo!"
“Arre e era. Aí lá cheio o curralão, com a boa animalada nossa, os pobres dos cavalos ali presos,tão sadios todos, que não tinham culpa de nada; e eles, cães aqueles, sem temor de Deus nem justiça de coração, se viravam para judiar e estragar, o rasgável da alma da gente – no vivo dos cavalos, a torto e direito, fazendo fogo! Ânsias, ver aquilo. Alt’ -e-baixos – entendendo, sem saber, que era o destapar do demônio – os cavalos desesperaram em roda, sacolejados esgalopeando, uns saltavam erguidos em chaça, as mãos cascantes, se deitando uns nos outros, retombados no enrolar dum rolo, que reboldeou, batendo com uma porção de cabeças no ar, os pescoços, e as crinas sacudidas esticadas, espinhosas: eles eram só umas curvas retorcidas!”
2 Comments:
Eba! Que bom que você entrou no meme, vou anotar as dicas todas. =***
Também fico feliz de ver que você aderiu, e olha, tenho cá para mim que minha primeira escolha seria GSV também...
Beijão.
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